.doutor. (ou conversa de consultório)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011




doutor, ter dor é condição de estar doente?
eu devo ser meio demente.

porque não dói.
não incomoda.
não modificou nada por fora.

mas é que esvaziou.
desbotou por dentro.
e tudo veio à tona como outrora.

mas não coça.
não parei de comer.
não tenho pintinhas vermelhinhas.

mas ele foi embora.
isso, doutor, eu tinha de lhe dizer.

ele foi embora e eu não sei mais o que fazer.

doença de se morrer acho que não é.
mas há de ser coisa "braba".
porque semana passada fui ter com padre inácio.

um pai-nosso e sete ave-marias.
todo meio-dia.

e depois que deixei a sacristia.
ainda fiz promessa para santa luzia.

ando mal, doutor, ando mal.
a reza não deu jeito.
a promessa não fez com que ele voltasse.

- receite um remédio. é. receite qualquer remédio aí que eu tomo. agora baratinho. porque como também deixei de trabalhar, entrou outra no meu lugar.

e tem mais. se o remédio não servir. vou ver se arranjo um cacho de flor bem bonito. iemanjá há de resolver.

e quando ele voltar.

vou poder dizer tudinho. sem nem respirar.

que ele é quem não presta. que ele é quem não vale nada. que ele é que não me deu valor.

- mal educado, só ele foi quem falou.

Ana Maria de Queiroz
24.I.2011

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